Antes, me constitui de acordo com as muitas influências que auxiliaram na formação de quem eu pensava ser, mas será que realmente eu era quem eu queria ser? Na verdade, não sabia se eu era quem eu queria ser, mas tive a oportunidade dada pela vida, para conhecer um pouco sobre o que se é. A vida é sempre de cada um, e cada um se encontra tendo que existir em uma circunstância. Nesse percurso, às vezes, digo por dizer, faço por fazer e quando não me comporto como esperam, sou desviante e preciso estar preparado para suportar a pressão que o entorno, ou talvez o interno, exercerão contra mim. Diante de tudo isso, percebo que passo a não reger a minha própria existência, pois não vivo desde mim mesmo ou por si mesmo, fico mais atento ao que passa fora de mim. Agora, quando penso em mim como um outro, digo para ele: é preciso colocar um fim nisso e voltar a ser si mesmo. Isso se chama ensimesmar-se.

Nas palavras de Ortega y Gasset:

“Cada um de nós está sempre em perigo de não ser o si mesmo único e intransferível que é. A maior parte dos homens trai continuamente esse si mesmo que espera ser, e, para dizer toda a verdade, nossa individualidade pessoal é um personagem que nunca se realiza totalmente, uma utopia incitante, uma lenda secreta que cada um guarda no mais fundo de seu peito. Compreende-se muito bem que Píndaro resuma sua heroica ética no conhecido imperativo, ‘Torna-te quem tu és’”. (O homem e os outros, p. 44)

E para que talvez possamos encontrar quem somos, vai a dica da canção:

Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração

Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar, vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar

(letra parcial da música: Se eu quiser falar com Deus, de Gilberto Gil)