A vitória do autoproclamado anarcocapitalista Javier Milei nas eleições presidenciais argentinas trouxe consigo um intenso debate acerca de suas radicais propostas para a economia argentina, dentre as quais, destacam-se a de dolarização e a de fechamento do Banco Central (BC). Segundo Milei, fechar o BC constituiria a solução para o problema da hiperinflação verificado no país, porquanto compreende que a autoridade monetária retroalimenta continuamente o ritmo de crescimento generalizado dos preços em razão da expansão da oferta de dinheiro.
A proposta de dolarização, em si, possui precedentes históricos recentes em determinadas economias latino-americanas, dentre as quais destaca-se a experiência do Equador. Em 2000, objetivando combater o processo inflacionário até então existente, o país substituiu seu padrão monetário nacional pelo dólar, que passou a circular internamente neste enquanto moeda de curso legal. Tais alterações do sistema monetário foram, em linhas gerais, profundamente exitosas no controle da inflação, propiciando sua vertiginosa e pujante redução. Chamo atenção, especificamente, para o barateamento relativo das mercadorias importadas em razão do câmbio apreciado, cujo movimento tende a produzir um impacto decisivo no controle do nível de preços, sobretudo para as economias latino-americanas, caracterizadas pela dependência externa de suas correspondentes estruturas produtivas.
Contudo, neste sentido, a inflação encontra-se muito mais vinculada à questão externa do que propriamente à expansão da base monetária, na medida em que esta última está condicionada pela primeira. A depreciação cambial, ao encarecer relativamente as exportações, induz ao crescimento das necessidades de circulação de dinheiro pelo mercado, e subsequentemente à expansão da base monetária da economia como consequência.
Tal problemática possui uma importância decisiva na presente discussão em razão da atual situação econômica da Argentina, cuja hiperinflação está umbilicalmente vinculada à forte e contínua desvalorização cambial, num contexto caracterizado pela escassez de reservas internacionais, sobretudo em dólares. Tendo em vista as relações de oferta e demanda por moeda, a cotação do peso em relação ao dólar tende a depreciar-se em razão da insuficiência deste último frente às necessidades de importações da economia argentina. Deflagra-se, assim, um problema estrutural associado à incapacidade do setor exportador argentino em gerar as divisas necessárias para financiar as importações do país.
Neste contexto, o sucesso no controle da inflação perpassaria diretamente pelo câmbio, e se daria a duras penas em vista dos problemas subsequentes que viriam a afetar tanto o setor exportador quanto a indústria em geral. Como vimos, a crise inflacionária no país em comento encontra-se, em muito, vinculada às suas reduzidas reservas internacionais. A dolarização provocaria, em linhas gerais, efeitos oriundos de uma expressiva apreciação cambial (através da alteração do peso pelo dólar como padrão monetário adotado), que desestimularia ainda mais as exportações, e ulteriormente a capacidade do país em gerar as reservas necessárias tanto para a circulação interna quanto para as suas importações.
Impõem-se, sob tais circunstâncias, dois problemas potenciais. Primeiramente, tal como ocorreu no Equador, os produtos argentinos perderiam competividade tanto internamente, em função do barateamento das importações, quanto no comércio exterior, em razão do encarecimento das exportações em dólares. Tais desestímulos tenderiam por produzir tanto desemprego quanto diminuição dos salários reais dos trabalhadores argentinos, numa espiral cíclica recessiva caracterizada por quedas no consumo e no investimento. A Argentina, inclusive, passou por este problema durante a década de 90, quando vinculou sua moeda ao dólar e fixou-a no patamar de um para um. A depreciação cambial promovida por países vizinhos do continente, dentre os quais o Brasil, inviabilizou as exportações argentinas, obrigando o país a abandonar a paridade estabelecida com a moeda americana.
Nesta toada, emerge o segundo problema, em vista do encerramento da capacidade do país em realizar autonomamente sua política monetária, a qual estaria condicionada ao Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos (FED-USA). Deste modo, a Argentina perderia um importante mecanismo de política macroeconômica anticíclica, que é aquela voltada a reduzir os efeitos adversos de momentos específicos do ciclo econômico.
Em suma, se concretizada a dolarização, tratar-se-ia da oficialização e do agravamento do principal problema da economia argentina, que consiste na incapacidade do setor exportador em gerar dólares, razão pela qual a situação do país deve ser analisada com cuidado.