“A família é a lacuna que nos sustenta.” Disse ele. “Lacuna?” Pergunto. Ele, confuso ao ouvir a estranheza do que disse, buscou a palavra que gostaria de ter dito, mas não a encontrou. Em vão, vão-se longos segundos e tentativas malsucedidas de aproximar-se do termo faltoso. “Pilar”, “o que te segura”, arriscou, mas a falha em sua fala, seguida da falta da palavra que buscava, já estava exposta. Isso não podia se dar com aquele homem culto e bem-sucedido e o desconcertou numa pergunta: “O que é isso que está acontecendo comigo?”
Fora do consultório, o equívoco dele poderia ser condenado como erro, percebido como aleatoriedade sem valor e até mesmo ensejar escárnio. Esse é o modo como costumamos acomodar falhas, irracionalidades, isso que não reconhecemos como nós, parte de nós ou partindo de nós. Isso que muitas vezes parece estranho, estrangeiro e infamiliar. Isso que nos pega no pulo de um ato, fala ou pensamento. Isso que causa espanto e abala as precárias colunas que sustentam as inibições, sintomas e angústia a partir das insistentes lacunas que nos constituem.
Sofremos como modo de acomodar isso que está para além e aquém do que nós achamos que somos ou devemos ser. Para evitar falhar, fazemos um mal negócio, um contrato desvantajoso porque acabamos falhando de qualquer modo no resultado da transação e o pior é que ainda pagamos por isso com sofrimento.
A falha sintomática então produz um enigma sobre isso, uma pergunta sobre isso e uma fala sobre isso. Com uma escuta apropriada a fala dá um outro lugar para isso. Revemos o contrato, seus termos, seus custos, as letrinhas miúdas que nem notamos ao assinar anuência e o jogo com isso pode ser renegociado.
Encerrei a sessão daquele homem culto e bem-sucedido com o convite que faço aos leitores desta coluna.
Vamos falar mais sobre isso?